Resumo
O lúpus eritematoso cutâneo crônico, caracterizado, sobretudo, pelo lúpus discoide, é uma entidade clínica incomum, porém de elevada prevalência em mulheres em idade fértil. A sua etiologia é desconhecida, mas fatores genéticos, autoimunes, hormonais e ambientais compõem o processo fisiopatológico da doença. Os meios diagnósticos utilizados para que se possa iniciar o tratamento específico, composto de protetores solares, corticosteroides tópicos e, se preciso, medicações sistêmicas, principalmente os antimaláricos, são o exame clínico, a imunofluorescência direta e o estudo histopatológico. Este artigo descreve de maneira sucinta os principais aspectos epidemiológicos, clínicos, diagnósticos e terapêuticos do lúpus eritematoso cutâneo crônico, conforme revisão de literatura.
Introdução
O lúpus eritematoso cutâneo crônico é uma das manifestações da pele específicas do lúpus eritematoso5,21. É caracterizado, sobretudo, pelo lúpus discoide, uma entidade clínica incomum, porém de elevada prevalência em mulheres na faixa etária de 20 a 50 anos, o que tem acumulado grande número de atendimentos ambulatoriais1,7,8,19. Apresenta fatores genéticos, autoimunes, hormonais e ambientais como substratos patogênicos, sendo que suas características clínicas e laboratoriais auxiliam o diagnóstico, que pode ser confirmado pelo estudo histopatológico5,19,32.
Conceito
O lúpus eritematoso (LE) é uma doença autoimune e multifatorial, caracterizada por um processo inflamatório crônico oriundo de alterações da regulação imunológica, devido à produção de autoanticorpos contra vários constituintes celulares1,19,21. Apesar de sua etiologia ainda não ser bem estabelecida, provavelmente resulta de um distúrbio da regulação que conduz à ativação policlonal de linfócitos B2-4. A pele é um dos órgãos-alvo afetados de forma mais variável pela doença24, sendo que fatores genéticos, hormonais e ambientais interagem e interferem no desenvolvimento da enfermidade cutânea2-4.
A expressão “lúpus eritematoso cutâneo” (LEC) é aplicada a pacientes com lesões cutâneas produzidas pelo LE, independentemente de o comprometimento ser exclusivamente cutâneo ou parte de uma doença sistêmica21. Essas manifestações podem ser divididas em específicas e inespecíficas, de acordo com suas características clínicas e histológicas, sendo que as específicas, se classificadas, podem ser encontradas na pele de três maneiras5,21:
· LEC crônico;
· LEC subagudo;
· LEC agudo.
O LEC crônico (LECC) abrange alguns subtipos, como o lúpus discoide localizado e generalizado, o lúpus hipertrófico, o lúpus pernio, o lúpus túmido e a paniculite lúpica9,14,15,19, sendo que a forma de LECC mais comum é o lúpus eritematoso discoide localizado (LEDL)6. Alguns casos diagnosticados inicialmente como LECC podem evoluir para LE sistêmico (LES), o que pode alterar o prognóstico e a abordagem terapêutica do paciente19.
Epidemiologia
O LECC apresenta ocorrência universal, embora seja mais prevalente em mulheres, entre a segunda e quarta décadas de vida1,7,19. É uma doença rara na infância (menos de 3% dos casos de LED iniciam-se antes dos dez anos de idade), bem como em indivíduos com mais de 70 anos de idade; contudo, quanto à ocorrência familiar, tem sido relatados casos de LE em familiares em 4,4% dos pacientes5,19.
A importância do LECC no Brasil está no fato de que, apesar de não ser doença comum (uma a cada 361 consultas novas), sua cronicidade leva ao acúmulo de casos nos ambulatórios clínicos8. Além disso, embora haja boa evolução na maioria dos casos, a demora no início do tratamento pode levar a cicatrizes desfigurantes8,19.
Etiopatogenia / fisiopatologia
Os achados do LECC, sobretudo os do subtipo mais comum, o discoide (LED), traduzem a existência de disfunção autoimune no processo fisiopatológico da doença, visto que tem sido identificados autoanticorpos no local da lesão, bem como alterações genéticas, correlacionadas à maior prevalência familiar da patologia9,19. O componente genético parece ser fator importante para a gênese dessa enfermidade, já que os haplótipos do complexo de histocompatibilidade (HLA) de classe I B8 e classe II DR3, DR2, DQw1 e DQw2, no braço curto do cromossomo 6, possuem grande relevância na imunopatogenia da afecção9,20. Deficiências das frações do Complemento C2 e C4 tem sido relacionadas com o HLA classe II DR3 e DR2, respectivamente, o que ratifica a influência genético-imunológica9.
A participação hormonal no surgimento do LED é justificada pela maior prevalência nas mulheres em idade fértil, principalmente entre 20 e 40 anos9,19- 21. O metabolismo anormal dos hormônios sexuais também é detectado, sendo comuns níveis séricos elevados de 16-alfa-hidroxiestrona e estradiol, diminuição de testosterona na população masculina e redução de desidroespiandosterona na população feminina9.
A irradiação solar tem tido grande valor para a patogênese do LED; os raios beta parecem ser capazes de induzir e exacerbar a doença9,19,20. Os vírus constituem outro fator importante, pois podem gerar superantígenos responsáveis por uma possível ativação linfocitária policlonal9.
Todos os eventos citados contribuem para a alteração da imunorregulação das células T, através da exacerbação da ação das células B e da inibição da resposta T supressora9. Há produção anormal de autoanticorpos, os quais ocasionam o LED por meio da formação de imunocomplexos, que, ao interagirem com o complemento, ocasionam intenso processo inflamatório9.
Disfunções na apoptose, no complemento e na fagocitose também podem levar à exposição aumentada a antígenos e à alteração da resposta imunológica9. No LED, há o acúmulo de células ao redor de folículos pilosos contendo o antígeno “fas” ligante, relativo à apoptose, além da redução da expressão do Bcl-2 em células basais, o que se associa à maior expressão dos antígenos descritos, bem como à extensão da apoptose na epiderme 11. O desenvolvimento cronológico das lesões também parece influenciar na intensidade da morte celular programada 11; acredita-se que o acúmulo desses queratócitos apoptóticos e de linfócitos no LEC seja responsável por um prognóstico pior18.
Anatomia patológica
A forma de LECC mais comum é o LEDL, cujas lesões discoides são histologicamente semelhantes
O lúpus eritematoso cutâneo crônico, caracterizado, sobretudo, pelo lúpus discoide, é uma entidade clínica incomum, porém de elevada prevalência em mulheres em idade fértil. A sua etiologia é desconhecida, mas fatores genéticos, autoimunes, hormonais e ambientais compõem o processo fisiopatológico da doença. Os meios diagnósticos utilizados para que se possa iniciar o tratamento específico, composto de protetores solares, corticosteroides tópicos e, se preciso, medicações sistêmicas, principalmente os antimaláricos, são o exame clínico, a imunofluorescência direta e o estudo histopatológico. Este artigo descreve de maneira sucinta os principais aspectos epidemiológicos, clínicos, diagnósticos e terapêuticos do lúpus eritematoso cutâneo crônico, conforme revisão de literatura.
Introdução
O lúpus eritematoso cutâneo crônico é uma das manifestações da pele específicas do lúpus eritematoso5,21. É caracterizado, sobretudo, pelo lúpus discoide, uma entidade clínica incomum, porém de elevada prevalência em mulheres na faixa etária de 20 a 50 anos, o que tem acumulado grande número de atendimentos ambulatoriais1,7,8,19. Apresenta fatores genéticos, autoimunes, hormonais e ambientais como substratos patogênicos, sendo que suas características clínicas e laboratoriais auxiliam o diagnóstico, que pode ser confirmado pelo estudo histopatológico5,19,32.
Conceito
O lúpus eritematoso (LE) é uma doença autoimune e multifatorial, caracterizada por um processo inflamatório crônico oriundo de alterações da regulação imunológica, devido à produção de autoanticorpos contra vários constituintes celulares1,19,21. Apesar de sua etiologia ainda não ser bem estabelecida, provavelmente resulta de um distúrbio da regulação que conduz à ativação policlonal de linfócitos B2-4. A pele é um dos órgãos-alvo afetados de forma mais variável pela doença24, sendo que fatores genéticos, hormonais e ambientais interagem e interferem no desenvolvimento da enfermidade cutânea2-4.
A expressão “lúpus eritematoso cutâneo” (LEC) é aplicada a pacientes com lesões cutâneas produzidas pelo LE, independentemente de o comprometimento ser exclusivamente cutâneo ou parte de uma doença sistêmica21. Essas manifestações podem ser divididas em específicas e inespecíficas, de acordo com suas características clínicas e histológicas, sendo que as específicas, se classificadas, podem ser encontradas na pele de três maneiras5,21:
· LEC crônico;
· LEC subagudo;
· LEC agudo.
O LEC crônico (LECC) abrange alguns subtipos, como o lúpus discoide localizado e generalizado, o lúpus hipertrófico, o lúpus pernio, o lúpus túmido e a paniculite lúpica9,14,15,19, sendo que a forma de LECC mais comum é o lúpus eritematoso discoide localizado (LEDL)6. Alguns casos diagnosticados inicialmente como LECC podem evoluir para LE sistêmico (LES), o que pode alterar o prognóstico e a abordagem terapêutica do paciente19.
Epidemiologia
O LECC apresenta ocorrência universal, embora seja mais prevalente em mulheres, entre a segunda e quarta décadas de vida1,7,19. É uma doença rara na infância (menos de 3% dos casos de LED iniciam-se antes dos dez anos de idade), bem como em indivíduos com mais de 70 anos de idade; contudo, quanto à ocorrência familiar, tem sido relatados casos de LE em familiares em 4,4% dos pacientes5,19.
A importância do LECC no Brasil está no fato de que, apesar de não ser doença comum (uma a cada 361 consultas novas), sua cronicidade leva ao acúmulo de casos nos ambulatórios clínicos8. Além disso, embora haja boa evolução na maioria dos casos, a demora no início do tratamento pode levar a cicatrizes desfigurantes8,19.
Etiopatogenia / fisiopatologia
Os achados do LECC, sobretudo os do subtipo mais comum, o discoide (LED), traduzem a existência de disfunção autoimune no processo fisiopatológico da doença, visto que tem sido identificados autoanticorpos no local da lesão, bem como alterações genéticas, correlacionadas à maior prevalência familiar da patologia9,19. O componente genético parece ser fator importante para a gênese dessa enfermidade, já que os haplótipos do complexo de histocompatibilidade (HLA) de classe I B8 e classe II DR3, DR2, DQw1 e DQw2, no braço curto do cromossomo 6, possuem grande relevância na imunopatogenia da afecção9,20. Deficiências das frações do Complemento C2 e C4 tem sido relacionadas com o HLA classe II DR3 e DR2, respectivamente, o que ratifica a influência genético-imunológica9.
A participação hormonal no surgimento do LED é justificada pela maior prevalência nas mulheres em idade fértil, principalmente entre 20 e 40 anos9,19- 21. O metabolismo anormal dos hormônios sexuais também é detectado, sendo comuns níveis séricos elevados de 16-alfa-hidroxiestrona e estradiol, diminuição de testosterona na população masculina e redução de desidroespiandosterona na população feminina9.
A irradiação solar tem tido grande valor para a patogênese do LED; os raios beta parecem ser capazes de induzir e exacerbar a doença9,19,20. Os vírus constituem outro fator importante, pois podem gerar superantígenos responsáveis por uma possível ativação linfocitária policlonal9.
Todos os eventos citados contribuem para a alteração da imunorregulação das células T, através da exacerbação da ação das células B e da inibição da resposta T supressora9. Há produção anormal de autoanticorpos, os quais ocasionam o LED por meio da formação de imunocomplexos, que, ao interagirem com o complemento, ocasionam intenso processo inflamatório9.
Disfunções na apoptose, no complemento e na fagocitose também podem levar à exposição aumentada a antígenos e à alteração da resposta imunológica9. No LED, há o acúmulo de células ao redor de folículos pilosos contendo o antígeno “fas” ligante, relativo à apoptose, além da redução da expressão do Bcl-2 em células basais, o que se associa à maior expressão dos antígenos descritos, bem como à extensão da apoptose na epiderme 11. O desenvolvimento cronológico das lesões também parece influenciar na intensidade da morte celular programada 11; acredita-se que o acúmulo desses queratócitos apoptóticos e de linfócitos no LEC seja responsável por um prognóstico pior18.
Anatomia patológica
A forma de LECC mais comum é o LEDL, cujas lesões discoides são histologicamente semelhantes
21. Dentre os achados principais estão o espessamento da membrana basal; melanófagos contendo melanina na derme superior; hiperqueratose; tampão folicular; adelgaçamento e achatamento do estrato malpighiano (21). Degeneração hidrópica das células basais, espessamento da membrana basal, infiltrado inflamatório mononuclear superficial e profundo (ao longo da junção dermo epidérmica, em torno dos folículos pilosos e ductos écrinos, em padrão intersticial) podem ser observados, bem como a atrofia pilossebácea, o edema, a vasodilatação e o extravasamento de hemácias na derme superior (21) (Figura 1).
Há também corpos coloides dérmicos e infiltrado perianexial espessante (21). Ocasionalmente, encontra-se uma placa sob a forma de “asa de borboleta”, simétrica, na região malar e no dorso nasal24.
Há também corpos coloides dérmicos e infiltrado perianexial espessante (21). Ocasionalmente, encontra-se uma placa sob a forma de “asa de borboleta”, simétrica, na região malar e no dorso nasal24.
Figura 1 - LED: pele fotodanificada com tampão córneo, atrofia epidérmica, degeneração vacuolar basal, ceratinócitos necróticos, espessamento de membrana basal e infiltrado linfocitário dérmico.
Figura 2 - lesões eritêmato-escamosas, com centro atrófico-cicatricial, localizadas difusamente em lateral do pescoço, retroauricular e zona mandibular.
A atrofia pilossebácea e o espessamento perianexial da membrana basal possuem alto valor preditivo para o diagnóstico de LECC, em relação ao lúpus eritematoso cutâneo subagudo (LESA); a hiperqueratose, o espessamento da membrana basal, o dano folicular extenso e o infiltrado linfocitário denso, com envolvimento da derme profunda, favorecem o diagnóstico de LED25. As alterações do LESA são quantitativamente diferentes; a atrofia epidérmica é uma característica relevante, bem como o tampão folicular, a hiperqueratose e a densidade e profundidade do infiltrado inflamatório, os quais são menos acentuados do que no LECC e mais reservados às regiões peria nexias e perivasculares (26). Na LESA há ainda intensa vacuolização da camada basal, grande número de corpos coloides epidérmicos e necrose epidérmica (27).
Sobre as lesões discoides preexistentes em áreas expostas ao sol podem surgir as lesões papulonodulares verrucosas do lúpus hipertrófico, que coalescem em placas e possuem tampão queratósico central, o que dá à lesão a aparência de queratoacantoma (21).
No lúpus túmido, um subtipo raro do LECC (28), encontra-se infiltrado linfo-histiocitário perivascular e perianexial na derme papilar e reticular, bem como depósito intersticial de mucina (21). Atrofia epidérmica e alterações na junção dermoepidérmica não estão presentes (21).
A paniculite lúpica apresenta atrofia focal da epiderme, dilatação do óstio folicular, hiperqueratose, degeneração vacuolar da junção dermoepidérmica, paniculite linfocítica trabecular e lobular, acompanhada de infiltrado inflamatório na derme profunda e no tecido celular subcutâneo (26,29).
Quadro clínico
As lesões cutâneas compõem três dos 11 critérios estabelecidos pela American College of Rheumatology (ACA) para o diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico: lesões discoides, erupção malar e fotossensibilidade (21). A pele é um dos órgãos-alvo afetados de forma mais variável pelo lúpus eritematoso, sendo que a expressão clínica benigna, estritamente cutânea e crônica, é o LECC21.
O LED está inserido nas lesões cutâneas crônicas do LES, as quais abrangem, além do lúpus discoide localizado e generalizado, o lúpus hipertrófico, o lúpus pernio, o lúpus túmido e a paniculite lúpica (9,14,15,19), cujas apresentações clínicas são menos frequentes e de diagnóstico mais difícil (24). É valido salientar que as lesões cutâneas crônicas estão inseridas no grupo de lesões específicas de lúpus eritematoso (9,16,17, 21).
A lesão discoide clássica apresenta placa eritematosa bem definida, hiperpigmentada, com descamação lamelar aderente (9,19,21), que mostra em seu reverso espículas queratósicas correspondentes à hiperqueratose folicular, chamadas de tachas de tapeceiro (19); infiltradas e confluentes, elas se estendem para o interior do folículo piloso dilatado (21). A lesão evolui periférica e centrifugamente de forma lenta, deixando cicatriz central despigmentada e atrófica – no couro cabeludo, provoca alopecia cicatricial por comprometimento dos folículos pilosos, com perda de fâneros (9,19,21) (Figura 2). São únicas ou múltiplas e de tamanho variável, com maior incidência em face, tronco, couro cabeludo, pavilhão auricular, braços e colo9,21 (Figura 3); em frequências menores, são encontradas em região retroauricular, mãos, pescoço, membros inferiores, pés e regiões palmoplantares (19). Na região facial, sobrancelhas, pálpebras, nariz, mento e região malar estão frequentemente envolvidos (19,21). A distribuição topográfica das lesões é preferencialmente nas áreas expostas (19).
Figura 3 - Lesões atrófico-cicatriciais, em parte revestidas por escamas, localizadas em toda extensão do pavilhão auricular.
Se o LED limita-se apenas à cabeça e ao pescoço, é dito localizado, condição esta frequentemente observada; caso contrário, é do tipo generalizado (9,19,21), com maior risco de sistematização a longo prazo (21).
Podem ser encontradas lesões em mucosas oral e anogenital, principalmente no palato e raramente na conjuntiva, situação esta causadora de ardor (9,13,19). As lesões de mucosa oral, caracterizadas por placas crônicas e assintomáticas, comumente passam despercebidas pela maioria dos pacientes, não guardam relação com a atividade da doença cutânea e persistem mesmo quando essa já regrediu (19). Por outro lado, lesões palpebrais mantêm relação com a atividade cutânea, são sintomáticas, e o paciente refere ardor (19). As lesões da columela nasal são placas eritematosas, crostosas, atróficas, e os pacientes também experimentam muitas vezes ardor local19.
É infrequente o achado de manifestações sistêmicas em pacientes com LED, porém alguns deles se queixam de artralgias ou apresentam fenômeno de Raynaud (19). Dos pacientes com lesões discoides, 5% a 10% evoluem para LES (9,10,12,21), principalmente se o quadro clínico for generalizado, acompanhado por leucopenia (9,12) e FAN elevado (9). Dos pacientes com LES, 20% a 25% apresentam lesões discoides clássicas (9,10,17,21).
Em geral, as lesões são assintomáticas, embora a exposição solar possa piorá-las ou gerar ardor (19). O lúpus discoide hipertrófico ou verrucoso é uma variante rara com intensa hiperceratose (tampão queratósico central) (9,19,21), coexistente com a lesão discoide (19,21) e mais prevalente no sexo masculino (19), originada pelo prurido oriundo da placa discoide, o qual leva ao ato de coçar e induz, assim, hiperceratose (19,21). Há queixas frequentes de prurido intenso nas lesões do couro cabeludo; o ato de coçar esse local retarda a resolução dessas lesões e pode provocar exulcerações e infecção secundária (19).
O lúpus túmido é um subtipo raro e muito fotossensível (19) do LECC; apresenta eritema, lesões urticariformes ou placas lisas, eritêmato-violáceas, brilhantes, localizadas na cabeça e no pescoço, muitas vezes com descamação fina discreta e prurido; ao involuírem, não deixam cicatrizes e, quando recorrem, o fazem nos locais originalmente afetados (29).
A paniculite lúpica ou LE “profundo” apresenta nódulos firmes no tecido subcutâneo sobre os quais a pele se adere, gerando depressões profundas atróficas (9,21) principalmente em face, pescoço, ombros e braços (eventualmente quadris e regiões glúteas) (21). A pele suprajacente pode apresentar lesões típicas de LED ou mesmo ulcerações (21).
Dentre variedades menos comuns relacionadas ao LECC, está o lúpus pernio, que é pouco frequente e surge após exposição ao frio ou à umidade (9). Além das placas discoides, o lúpus pernio pode apresentar, no inverno, lesões do tipo eritema pernio nas mãos (19).
É muito importante priorizar a terapia precoce, pois a demora no início do tratamento pode levar a cicatrizes desfigurantes, afetando muito a integração social do paciente (19).
Diagnóstico
O diagnóstico do LE é realizado através da associação de dados clínicos e laboratoriais, sendo confirmado pela histopatologia, que é característica (5,19,32). O encontro frequente de imunoglobulinas na pele e, menos comumente, de alterações sorológicas, evidenciando auto anti corpos, sugere etiologia autoimune (19,32).
Os achados histológicos, já citados, são basicamente compostos por graus variados de hiperqueratose, rolha cutânea folicular, atrofia da epiderme, vacuolização das células da camada basal da epiderme e infiltrado inflamatório de células mono nuclea das ao redor de vasos e anexos na derme (5).
A imunofluorescência direta (IFD) é de grande valia no diagnóstico das doenças do tecido conjuntivo, particularmente no LE, associada à histopatologia (30). A positividade à IFD nas lesões de LED tem sido superior à histopatologia, principalmente quando empregadas ambas as técnicas (IFD e histopatologia), o que tem elevado a sensibilidade diagnóstica (21,33). Se realizada em pele íntegra e totalmente protegida do sol, como regiões glúteas ou face interna da porção superior do braço, sua positividade com a presença de três ou mais classes de imunoglobulinas ou complemento representa alta especificidade para LES (21).
O padrão da IFD também pode ser útil na diferenciação do LECC de outras doenças clinicamente similares. Estudos de vários autores tem obtido predomínio de C1q, IgG , C3b, IgA e IgM em distribuição particulada na junção dermo epidérmica, de forma que a IgM surgiria em lesões com mais de um ano de duração (30,31,34). A especificidade de IgG ou complemento na junção dermo epidérmica (JDE) evidencia-se por sua negatividade nos casos de dermatite de contato, reação a drogas, erupção polimorfa à luz solar, psoríase, vitiligo, infiltração linfocitária de Jessner, sarcoidose, líquen plano, esclerodermia localizada, dermatite seborreica, artrite reumatoide, dermatomiosite e glomerulonefrite 35. As lesões do LE, inclusive, caracterizam-se por um maciço depósito de imunoglobulinas, de múltiplas classes concomitantemente, situadas na JDE, enquanto as outras doenças mostram uma única classe de imunoglobulina e fluorescência menos intensa36.
Com relação aos autoanticorpos séricos, não existe um marcador específico para o diagnóstico de LECC (5). A pesquisa de autoanticorpos circulantes, que são tão valorizados no diagnóstico do LES, não é importante para o diagnóstico do LECC, só sendo utilizada para o diagnóstico diferencial com as formas sistêmicas e para detectar possíveis evoluções de LECC para LES (19).
Atualmente a utilização de células de linhagem humana originárias de células tumorais provenientes do esôfago é o substrato mais empregado para a detecção dos anticorpos antinucleares (ANA), sendo que este é o teste mais sensível para o lúpus, embora pouco específico, já que esses anticorpos podem ser detectados em outras doenças autoimunes, infecciosas, ou mesmo em pessoas idosas (21).
A presença de fator antinuclear (FAN) ocorre entre 26% e 63% dos casos 5. Há evidências de positividade de outros auto-anticorpos: anti-DNA hélice simples em 22%, anti-ENA em 33% e anti-Ro em 20%34. Entretanto, vale ressaltar que, nesses pacientes, a presença do anticorpo anti-DNA de dupla hélice e, principalmente, o anti-Sm, sugere fortemente o diagnóstico de LES, cujo diagnóstico pode ser evolutivo, com o preenchimento de 4 dos 11 critérios de classificação diagnóstica do LES, estabelecido pelo American College of Rheumatology (5,21).
Tratamento
Na maioria dos casos, a proteção solar associada ao uso de corticoides tópicos e de antimaláricos, considerados terapias de primeira e segunda linhas, são medidas efetivas no tratamento da LECC; entretanto, nos casos nos quais as lesões cutâneas sejam mais graves ou de difícil controle, o uso de drogas de terceira e quarta linhas, como retinoides e imunossupressores, passa a ser necessário (37).
Medidas gerais
Alguns hábitos de vida podem precipitar ou agravar as lesões cutâneas do LECC, sendo que a exposição solar, indutora da apoptose de queratinócitos pelos raios UVB, é de grande relevância (38,39). Os pacientes devem ser orientados quanto à necessidade de roupas, bonés e, particularmente, protetor solar (37).
Os protetores solares são agentes químicos que absorvem a luz ultravioleta (UV), o que resulta no bloqueio das radiações UVA, UVB ou ambas (37). Eles estão disponíveis em diferentes veículos (creme, óleo, gel, álcool ou loção) (37). O fator de proteção varia de 2 a 50, embora a diferença entre o bloqueio solar do fator 15 (93% de proteção) e do fator 50 (98% de proteção) seja de apenas 5%40. A aplicação é recomendada todos os dias, logo pela manhã, sendo que a reaplicação deve ser feita a cada duas horas, após sudorese extensa e contato com água (5).
O fumo é outro hábito de vida a ser evitado, pois tem sido implicado na patogênese do LE sistêmico, na formação de auto anticorpos e em maior gravidade das lesões, além de reduzir a eficácia da cloroquina, importante medicamento no tratamento do LECC (41,42).
Corticosteroides tópicos (CE)
Os CE tópicos podem ser divididos em fluorados e não fluorados e podem ser de baixa, média e alta potências (37). A maioria dos não fluorados inclui a hidrocortisona; eles são mais baratos e menos potentes em relação aos fluorados (37). Estes, por sua vez, produzem mais efeitos colaterais, como atrofias, despigmentações, estrias, telangiectasias, acne, foliculites e superinfecção por Candida 43.
Pomadas geralmente são mais eficazes, mas há, também, preparações na forma de patches que permitem melhor absorção dos CE de alta potência com menos irritação (37). Eles podem ser aplicados uma a duas vezes ao dia e, caso seja necessário utilizá-los por longo período de tempo, é preciso intercalar alguns dias de intervalo sem o medicamento para evitar seus efeitos adversos (5). Na face, são usados os CE de baixa e média potência; em tronco e membros, os de média potência estão indicados; CE de alta potência são reservados para as lesões palmoplantares ou hipertróficas (5).
O tratamento local é utilizado para lesões isoladas ou refratárias; contudo, lesões mais críticas respondem pobremente à terapia com CE tópico, sendo recomendada a utilização de medicação sistêmica nos casos de lesões persistentes, que requeiram altas doses de CE tópico, ou que recorram após a diminuição da dose (37). A Tabela 1 descreve os principais corticosteroides tópicos, bem como a potência e a formulação de cada um deles.
Corticosteroides sistêmicos
A prednisona oral ou a pulso terapia com metilprednisolona são utilizadas na vigência de doença sistêmica grave associada ao quadro cutâneo; caso contrário, devido os seus efeitos colaterais potenciais, dá-se preferência pelos antimaláricos, retinoides ou imunossupressores para o tratamento dos quadros de LECC persistentes, refratários ou recorrentes (37). Acredita-se que os corticosteroides sistêmicos em doses baixas são pouco efetivos para o LED, por mais que alguns autores os empreguem por curtos períodos juntamente com os antimaláricos, que tem início de ação demorado 53.
Antimaláricos
Os antimaláricos são de suma importância na terapia do LECC, especialmente no que diz respeito ao lúpus discoide refratário ao CE tópico ou com múltiplas lesões 5,44. Nos pacientes resistentes à mono terapia, há relatos de boa resposta ao tratamento com a combinação de antimaláricos, como a hidroxicloroquina, a quinacrina e o difosfato de cloroquina (37).
A dose recomendada da hidroxicloroquina é de 6,5 mg/kg/dia, sendo que sua toxicidade retiniana traz consigo algumas precauções quanto ao seu uso, como, por exemplo, a realização de exames oftalmológicos a cada 3-6 meses (45). Deve-se lembrar, também, que a cloroquina tem sua eficácia reduzida em tabagistas (41,42), além de poder causar náuseas e vômito
sb
(5).
Retinoides
Os retinoides sintéticos (isotretinoína e acitretina) são drogas de segunda linha para o tratamento sistêmico do lúpus eritematoso cutâneo (LEC), sendo utilizados quando há falha no uso dos antimaláricos (37). As doses para do tratamento da LECC variam de 0,5 a 1 mg/kg/dia, sendo bastante eficazes em casos de lúpus discoide, cuja melhora clínico-histológica tem sido acompanhada de boa tolerância por parte dos pacientes (37).
O uso a longo prazo de retinoides pode trazer alguns efeitos colaterais potenciais, principalmente a acitretina, o que requer monitorização durante o tratamento 37. Hepatite medicamentosa, secura cutânea e de mucosas, alterações ósseas consistentes com hiperostose esquelética idiopática difusa (DISH), hipertrigliceridemia e teratogenicidade são alguns dos efeitos adversos; além disso, os retinoides podem agravar a fotossensibilidade, sendo recomendada atenção redobrada à proteção solar (24,37).
Imunossupressores
Os imunossupressores são a terapia de terceira linha no tratamento do LEC, sendo indicadas para lesões graves e aparentemente irreversíveis (37).
A azatioprina pode ser útil no LECC, por mais que cause intolerância gastrointestinal, toxicidade da medula óssea, maior suscetibilidade a infecções, pancreatite e hepatite aguda; o metotrexato, por sua vez, tem sido usado como alternativa aos antimaláricos e às baixas doses de corticoide (47.)BR>
A leflunomida é anti-inflamatória e apresenta extensiva recirculação entero-hepática, além de estar fortemente ligada a proteínas plasmáticas, o que requer monitorização frequente em razão de sua toxicidade hematológica, renal e hepática (37). Pacientes com lesões cutâneas refratárias à cloroquina parecem obter resposta favorável com o uso da dapsona, sobretudo no tratamento do lúpus profundo48,49.
Embora seu uso tenha sido bastante limitado em virtude da teratogenicidade e da neuropatia sensorial, a talidomida na dose de 50 a 100 mg/dia24 parece ser efetiva no tratamento do LED refratário (50), assim como o micofenolato de mofetila, que também tem tido resposta clínica satisfatória, embora possa causar intolerância gastrointestinal, leucopenia e infecções (37). É necessário ajustar a dose em pacientes com insuficiência renal e, assim como a talidomida, não utilizá-lo como droga de escolha durante a gestação 51.
Terapia intralesional
A terapia intralesional é realizada caso o tratamento tópico habitual não tenha sido satisfatório (5,37). A triancinolona em suspensão (diacetato de triancinolona a 1,25% ou 2,25%) ou a triancinolona acetonida podem ser utilizadas 40.
Outras terapias intra lesionais experimentais são aplicação de sais de ouro, ácido cáustico, fluoracil tópico, nitrogênio mostarda, análogos da vitamina D e dióxido de carbono sólido, todas ainda em estudo 40.
Cirurgia
Tratamentos com finalidade estética não tem tido muito sucesso nas lesões com cicatrizes críticas, por causa do risco de exacerbação da doença pelo trauma cirúrgico 52. Contudo, a dermabrasão, o transplante capilar ou o transplante autólogo de gordura são procedimentos que tem se mostrado seguros se realizados em áreas não-inflamadas 37.
Conclusão
O LECC possui prevalência elevada em mulheres entre 20 e 50 anos. A sua etiologia permanece desconhecida, porém alguns achados explicam de certa forma essa patologia: irregularidades na modulação das células T; disfunções apoptóticas, auto anti corpos e imunocomplexos encontrados no local da lesão; alterações hormonais e genéticas com maior prevalência familiar; e influência da irradiação solar, que pode exacerbar a doença.
A lesão clássica do LECC é a discoide, uma placa eritematosa bem definida, hiperpigmentada, com descamação lamelar aderente e hiperqueratose folicular pilosa, a qual evolui periférica e centrifugamente de forma lenta, deixando cicatriz central despigmentada e atrófica. A topografia das lesões é preferencialmente nas áreas expostas.
Os achados histológicos confirmam hiperqueratose, rolha cutânea folicular, atrofia da epiderme, vacuolização das células da camada basal da epiderme e infiltrado inflamatório de células mono nucleadas ao redor de vasos e anexos na derme. A análise histopatológica apresenta elevada sensibilidade diagnóstica se associada à imunofluorescência direta, que define o LECC como um maciço depósito de imunoglobulinas (principalmente Ig G) e complemento na junção dermo epidérmica.
Os auto anticorpos circulantes podem ser dosados na sorologia para o diagnóstico diferencial com as formas sistêmicas e para a detecção de possíveis evoluções de LECC para LES.
O tratamento preconiza o uso de protetores solares, corticosteroides tópicos e, se preciso, medicações sistêmicas, principalmente os antimaláricos, sendo que retinoides e imunossupressores continuam sendo drogas de terceira e quarta linhas. A terapia intra lesional pode ser uma opção em casos de falha do corticosteroide tópico, porém alguns de seus tipos ainda estão em fase de experimentação.
Blog de Deusa / Moreira jr
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