quinta-feira, 26 de março de 2015

Síndrome da anorexia-caquexia em portadores de câncer

                       
A síndrome da anorexia-caquexia (SAC) é uma complicação freqüente no paciente portador de uma neoplasia maligna
em estado avançado. Caracteriza-se por um intenso consumo dos tecidos muscular e adiposo, com conseqüente
perda involuntária de peso, além de anemia, astenia, balanço nitrogenado negativo, devido alterações fisiológicas,
metabólicas e imunológicas. A SAC é intensificada pelas alterações no metabolismo dos nutrientes (carboidratos,
proteínas e lipídios), alterações hormonais (leptina, NPY, MC, grelina), além do aumento das citocinas circulantes
(TNFa, IL-1, IL-6, IFN). Mudanças na percepção de paladar e olfato ocorridas com a progressão tumoral e com o
tratamento oncológico, também contribuem com a anorexia e, conseqüentemente, com a SAC. O tratamento nutricional
é realizado com a utilização de nutrientes especiais, como os ácidos graxos polinsaturados EPA e DHA, os aminoácidos
glutamina e arginina e os nucleotídeos. A nutrição deve ser seguida junto ao tratamento farmacológico, com estimulantes
do apetite, devido maiores resultados positivos para o paciente com SAC.
Palavras-chave: Anorexia; Caquexia; Câncer; Nutrição.

INTRODUÇÃO

A cada ano, o câncer tem se consolidado como um
problema de saúde pública em todo o mundo. Segundo a
Organização Mundial de Saúde (OMS), o câncer atinge
pelo menos 9 milhões de pessoas e mata cerca de 5 milhões
a cada ano, sendo hoje a segunda causa de morte por
doença nos países desenvolvidos, perdendo apenas para
as doenças cardiovasculares1,2,3. A American Cancer
Society (ACS) estima que mais de 1 milhão de novos
casos são diagnosticados a cada ano. Segundo Otto
(2002)4
, aproximadamente 76 milhões de norteamericanos,
hoje vivos, terão câncer em algum momento
de suas vidas, o que corresponde a cerca de uma em cada
três pessoas, acometendo três em cada quatro famílias5
.
No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer (INCA),
órgão do Ministério da Saúde (MS), se baseia em dados
obtidos através dos Registros de Câncer de Base
Populacional (RCBP) e do Sistema de Informação sobre
Mortalidade (SIM), para desenvolver a
atividades
relacionadas à vigilância do câncer. Em 1995, o INCA
iniciou um trabalho de estratégias dirigidas à prevenção
e ao controle do câncer no país. O Instituto tem
apresentado as estimativas de casos incidentes e mortes
por câncer para diferentes localizações topográficas,
atualizadas anualmente6
. As estimativas para o ano de
2005 apontam que ocorrerão 467.440 novos casos,
compreendendo as várias localizações dos tumores,
ambos os sexos, as diversas faixas etárias e todo o
território nacional3,7. Desse total, são esperados 229.610
novos casos para o sexo masculino e 237.830 para o
sexo feminino7
.
O processo da carcinogênese varia dependendo da
intensidade e agressividade do agente promotor,
convertendo-se em um processo rapidamente
progressivo, como ocorre em certos tumores de alta
agressividade biológica8,9,10,11,12,13.
O diagnóstico de câncer envolve vários parâmetros e
deve ser confirmado por exames histológicos e citológicos,
além dos marcadores tumorais. O estadiamento tumoral,
pelo Sistema TNM4,15,16,17,18,19 ,é essencial para selecionar
e avaliar a terapêutica, como também, estimar o
prognóstico e calcular os resultados finais4,14, 15.
A presença de um câncer, a depender do tipo,
localização e estadiamento, assim como seu tratamento,
levam a alterações físicas, psicológicas e sociais, não só
para o portador da neoplasia, mas também para as
pessoas que convivem com ele. A importância e
necessidade de uma equipe multidisciplinar, no
acompanhamento de um paciente oncológico, é essencial
na redução da morbi-mortalidade no câncer e na melhora

da qualidade de vida do paciente e de seus
familiares20,21,22. Segundo Otto (2002)4
, a equipe deve
envolver enfermeiros, médicos, psicólogos, psiquiatras,
nutricionistas, assistentes sociais, religiosos,
aconselhadores e voluntários.
A Psico-oncologia - assistência psiquiátrica e
psicológica ao doente com câncer, a sua família e a
equipe médica e de cuidadores que os assistem - aborda
questões psicológicas, sociais e comportamentais
relacionadas ao câncer. O diagnóstico do câncer leva,
na maioria das vezes, a um período de muita ansiedade
e angústia, desencadeando um quadro de depressão. A
depressão vem associada a sintomas somáticos, como
perda de apetite e fadiga, que também podem estar
relacionadas ao catabolismo da doença ou ao seu
tratamento. Neste momento, o trabalho de outro
profissional da equipe multidisciplinar, o nutricionista,
torna-se essencial para estimular uma alimentação
adequada, frente aos sintomas apresentados: falta de
apetite, xerostomia, náuseas, vômitos, alteração do
peristaltismo intestinal, mucosite, entre outros, a fim
de prevenir perda de peso, diminuição da imunidade e
outras complicações comuns em pacientes
oncológicos4,23,24.
O comprometimento do Estado Nutricional (EN)
está associado ao aumento da morbi-mortalidade no
câncer. Uma avaliação nutricional periódica deve fazer
parte da rotina do tratamento, pois repercute na
susceptibilidade a infecções, resposta terapêutica e no
prognóstico. A identificação do risco nutricional e do
EN é feita utilizando-se parâmetros clínicos, físicos,
dietéticos, sociais, subjetivos, antropométricos,
laboratoriais e de bioimpedância, visando um melhor
conhecimento do paciente25,26,27,28. Segundo Pinho et al
(2004)29, a utilização dos parâmetros isoladamente
produz resultados questionáveis, haja vista os erros
impostos pelos métodos.
Ganho de peso não é verificado com muita freqüência
nesses pacientes. Mas, em algumas situações, drogas
utilizadas no tratamento quimioterápico induzem
aumento de apetite, além de retenção hídrica, levando
a aumento no peso corporal20,30.
A desnutrição é muito prevalente no paciente
oncológico e associa-se à diminuição da resposta ao
tratamento específico e à qualidade de vida, com maiores
riscos de infecção pós-operatória e aumento na morbimortalidade.
O grau e a prevalência da desnutrição
dependem também do tipo e do estágio do tumor, dos

órgãos envolvidos, dos tipos de terapia anticâncer utilizadas, da resposta do paciente e da localização do
tumor, que quando atinge o trato gastrointestinal (TGI),
a desnutrição é bastante evidenciada20,26,31,32,33,34,35,36,37,38,39.
Uma perda de peso maior que 10%,nos 6 meses
anteriores ao diagnóstico, é considerada uma
preocupação e fator de risco independente para a
sobrevida35,40,41,42,43.
Segundo Dias (2002)1
, assim como afirma Waitzberg
(2000)44, a desnutrição em câncer apresenta uma incidência
entre 30 e 50% dos casos; enquanto Shils & Shike (2003)35
afirmam que na maioria dos estudos realizados com
pacientes oncológicos, a perda de peso foi utilizada como
critério principal de avaliação nutricional, em que foi
verificado que 40 a 80% desses apresentavam desnutrição.
Estima-se que, no momento do óbito, todos os pacientes
estejam desnutridos, não estando associada apenas à
diminuição da ingestão alimentar45. O IBRANUTRI
(Inquérito Brasileiro de Avaliação Nutricional) realizou um
estudo com 4000 doentes hospitalizados na rede pública,
em 25 hospitais de 12 estados brasileiros e no Distrito
Federal, onde foi identificado que 20,1% dos pacientes
internados eram portadores de câncer. Desses, 66,4%
apresentavam-se com desnutrição, sendo 45,1% de grau
moderado e 21,3% grave44,46.
Segundo Andrade et al (2004)47, a desnutrição é
rotineiramente encontrada em pacientes com câncer,
com uma incidência que varia de 30 a 90%, sendo
freqüentemente associada a carcinomas de cabeça e
pescoço e trato digestivo superior. Em trabalho realizado
por Correia & Waitzberg (2003), citado por Waitzberg
& Baxter (2004)48, a presença de câncer aumenta o risco
de desnutrição em 8,1 vezes e a localização da doença
no TGI superior associa-se a um risco aumentado em
15,7 vezes.
A perda de peso significativa tem associação com a
anorexia. A anorexia - perda espontânea e não
intencional de apetite - é um dos sintomas mais comuns
do câncer avançado33,35,49,50,51,52,53. Resulta de alterações
do paladar e olfato ou mudanças na regulação

hipotalâmica53. A desnutrição grave acompanhada de
anorexia e astenia é denominada Caquexia33,35,49,50,51,52,53.
Assim, este trabalho visa conhecer o mecanismo da
anorexia-caquexia em portadores de câncer, através da
compreensão do processo fisiopatológico da síndrome
da anorexia-caquexia, da verificação das alterações
metabólicas, hormonais e fisiológicas ocorridas nesses
pacientes e da observação das opções terapêuticas para
paliação / reversão do mecanismo de anorexia-caquexia,
devido à freqüência cada vez maior de pacientes que
desenvolvem a síndrome.

METODOLOGIA
Esse trabalho consiste em um levantamento
bibliográfico dos últimos 10 anos (1995-2005), tendo
sido consultados livros clássicos, artigos de periódicos
nacionais e internacionais indexados e Internet (Medline)
para obtenção das informações relativas ao tema
estudado. Foram utilizadas como palavras-chave:
anorexia, caquexia, nutrição, nas línguas portuguesa,
inglesa e espanhola.
SÍNDROME DA ANOREXIA-CAQUEXIA
A anorexia é um sintoma comum nos pacientes
oncológicos, associada inicialmente ao processo natural
da doença ou, mais tardiamente, ao crescimento tumoral
e presença de metástases. Pode estar relacionada à náusea
e vômito, à própria doença, ou ser resultante de
medicamentos utilizados durante o tratamento,
desconforto devido à mucosite, entre
outros21,25,32,38,42,49,54,55,56,57,58,59. Segundo Davis et al
(2004)50, consiste na perda de apetite, saciedade precoce,
combinação de ambas ou alteração das preferências
alimentares. Esses sintomas não são verificados em todos
os tipos de tumores35,60,61.
A diferença mais importante entre desnutrição e
caquexia do câncer é a preferência por mobilização de
gordura poupando o músculo esquelético na desnutrição,
enquanto na caquexia há igual mobilização de gordura
e tecido muscular54.
Diversos estudos sugerem que a anorexia é um
fenômeno biopsicossocial. A decisão de comer ou não
comer é um processo complexo. Está geralmente
associada à fome, seja ela por deficiência de alimentos
ou mesmo por falta de nutrientes específicos49,60,62.
Segundo Douglas (2002)63, a fome é o conjunto de
sensações despertadas pela necessidade de alimento, que
leva o indivíduo à procura, captação e ingestão desse
alimento. O termo apetite refere-se à sensação de prazer
de uma necessidade fisiológica49,63. A regulação do apetite
é um mecanismo complexo, mediado pelos níveis séricos
dos nutrientes circulantes, função hepática, capacidade
GI, sensações de paladar e olfato, todos esses processos
mediados pelo cérebro64. A saciedade é a sensação
consciente de cessação de fome, de plenitude49,63.
A etiologia da anorexia é desconhecida, pois muitos

fatores intervêm em sua aparição (Quadro 1), além de 
substâncias liberadas tanto pelo tumor como pelo
hospedeiro, em resposta à presença do tumor51,57.
Anorexia ocorre em cerca de 40% dos pacientes com
câncer, no momento do diagnóstico, e em mais de dois
terços dos doentes terminais49. De acordo com Waitzberg
et al (2004)65, em 100 pacientes com câncer avançado e
em cuidados paliativos, a anorexia esteve presente em
66%, enquanto na oncologia infantil, a proporção é
maior, pois 80% dos pais das crianças falecidas por
câncer informaram queixas de anorexia em seus filhos
no decorrer da doença. Segundo Marques & Portela
(2000)34, ocorre na maioria dos pacientes com tumores
malignos, tendo pouca associação com tumores
benignos. Constitui a principal causa de ingestão
alimentar deficiente, por efeitos do tumor ou por causas
não mecânicas, conduzindo à progressiva inanição, com
comprometimento do EN, do perfil imunológico,

podendo levar à caquexia.

               





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