Despejar uma mistura de soda cáustica e corante sobre um recife de coral numa região que é patrimônio da humanidade parece uma péssima ideia, certo?. Mas um grupo internacional de cientistas acaba de anunciar que realizou esse experimento na Austrália, com o objetivo de tentar entender como os gases de efeito estufa afetam a vida marinha. Os corais, aparentemente, aprovaram o teste.
O trabalho foi liderado por Rebecca Albright, da Instituição Carnegie, nos EUA, e seu orientador, Ken Caldeira, um pioneiro do estudo da chamada acidificação dos oceanos (saiba mais sobre o fenômeno aqui). A ideia dos dois era mexer na química da água de uma lagoa na Grande Barreira de Coral australiana, de forma a simular as condições pré-industriais. Então eles afeririam a reação do recife.
Os cientistas sabem que os oceanos estão mais ácidos no mundo inteiro. Isso é um efeito colateral das emissões de gases de efeito estufa que causam o aquecimento global. Grande parte das emissões humanas de CO2 é absorvida pelo mar, onde o gás carbônico reage com a água (H2O) e forma ácido carbônico (H2CO3). Isso reduz o pH da água do mar, ou seja, ela fica mais ácida.
Para organismos que formam carapaças de calcário, como moluscos, corais e várias espécies de plâncton, isso é mortal. A água mais ácida dissolve lentamente essas estruturas, num fenômeno que já foi comparado a uma grande osteoporose oceânica.
Mas existe um efeito adicional da acidificação, igualmente perverso para os corais e para outras criaturas: esses animais formam suas carapaças ao absorver íons de carbonato (CO3) da água e combiná-los com cálcio para formar um mineral chamado aragonita. A reação do gás carbônico com a água do mar também captura os íons de carbonato para formar duas moléculas de bicarbonato (2HCO3), essencialmente tirando o carbonato de circulação. O bicarbonato é imprestável para fazer aragonita. Sem a matéria-prima, os corais não conseguem formar sua carapaça portanto, não crescem.
Como os recifes de coral são fundamentais para a teia alimentar marinha e para a alimentação e os empregos de milhões de pessoas no mundo inteiro, entender como a acidificação dos oceanos impacta esses ecossistemas é importante. Mas isso tem sido difícil de quantificar, já que o fenômeno da acidificação só foi descoberto na década passada, quando a química do oceano já diferia muito da da era pré-industrial. Para saber quanto a osteoporose marinha já havia afetado a taxa de crescimento dos recifes seria preciso usar uma máquina do tempo.
Foi exatamente o que fizeram Albright, Caldeira e colegas, num experimento descrito em uma edição de fevereiro do periódico Nature.
O grupo descobriu um recife na Grande Barreira de Coral que poderia ser devolvido ao passado, por assim dizer. Formado por três lagoas, o recife fica isolado do resto do oceano algumas horas por dia, durante a maré baixa. Por acaso, a lagoa maior é também mais alta que a menor, e a água escorre daquela para esta durante a maré baixa, por cima de um pequeno banco de corais.
Os biólogos da Carnegie tiveram uma sacada: já havia estimativas de quanto o pH da água da região havia caído desde o período pré-industrial. O que eles precisavam fazer era corrigir esse pH. Para isso, lançaram mão de um recurso velho conhecido de donos de aquário no mundo todo: o hidróxido de sódio a popular soda cáustica.
Num tanque de 15 mil litros instalado na lagoa maior, os cientistas misturaram água do mar, um corante cor-de-rosa e 600 gramas de soda cáustica. Durante uma hora por dia, na maré baixa, essa mistura fluía por cima do recife até a lagoa menor, em cuja borda os pesquisadores coletavam amostras de água. Medindo a proporção entre corante e soda cáustica na mistura entre uma lagoa e outra no começo e no final do experimento, durante 22 dias, eles conseguiriam estimar quanto da alcalinidade adicional fora absorvida pelo recife.
Ao final do experimento, o grupo descobriu que a taxa de crescimento dos corais cresceu 7% no período com soda cáustica. A implicação disso é que, se os mares não estivessem mais ácidos, os corais estariam crescendo mais pelo menos naquela parte do mundo. É a primeira vez que se consegue estimar de maneira experimental o efeito isolado da acidificação sobre esse ecossistema.
A acidificação dos oceanos já está cobrando seu preço nas comunidades de recife de coral, disse Albright em comunicado do centro de pesquisas. Isso não é mais um temor para o futuro; é a realidade hoje.
Essa correção de pH já foi cogitada por alguns como um esquema de engenharia planetária para reverter a acidificação em áreas-chave dos oceanos. Caldeira descarta a ideia. A única maneira real e duradoura de proteger os recifes é fazer cortes profundos nas nossas emissões de dióxido de carbono.
Fonte: Observatório do Clima
Blog de Deusa / MSN
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