quarta-feira, 19 de novembro de 2014

No limite do desespero



A morte de um parente, o desemprego, o divórcio levam 

muitos a perder a razão. Como não ultrapassar essa

 fronteira e quais os caminhos de volta


Eduardo Marini e Lena Castellon Colaboraram: Camilo 
Vannuchi, Celina Côrtes
Desânimo profundo de alguém que se sente incapaz de qualquer ação. Sofrimento agudo a que se sujeita uma pessoa por excesso de dificuldades. Aflição, angústia, depressão, exasperação. Irritação profunda, cólera, furor, raiva. Assim os mestres da língua portuguesa e da psicologia definem o desespero. Alguns desses fatores tiraram do equilíbrio a mente do empresário paulista Elk Alves da Silva, 66 anos. Foi desesperado que ele, às 3 h da madrugada de sábado 19, depois de ter dopado com 19 comprimidos do tranqüilizante Lorax os filhos Karoline, 16 anos, Elk Jr., 15, e Derek, 5, matou os três com quatro tiros de pistola calibre 380 em seu apartamento, em Santana do Parnaíba, na região metropolitana de São Paulo. Elk usou a quinta bala para estourar a própria cabeça. Deixou a cartela vazia do remédio, um mapa da localização de jazigos comprados em um cemitério de São Paulo e uma carta confusa. O título? “O desespero mudou minha vida.” Estava separado havia quatro meses da decoradora Maria de Fátima Diogo. “Foi mesmo um momento de desespero”, balbuciou a ex-mulher no enterro das crianças. As palavras quase não saíam. Eram atropeladas por um choro visceral.
O que leva o ser humano a romper os limites da sanidade e produzir uma tragédia dessa dimensão? O que faz alguém que defende uma postura saudável diante da vida se envolver num assalto por necessidade, suicidar-se ou tirar a vida de outros? Criar recursos para interromper o processo antes do limiar em que o sofrimento se transforma em desespero que aniquila qualquer sentido de razão é o grande desafio dos especialistas na área. Para o psicanalista Roosevelt Cassorla, da Universidade de Campinas (SP), compreender o que aconteceu com o empresário Elk é uma tarefa dura. Não apenas pela necessidade de reconstituir a história da família, mas porque o desespero não é de simples explicação. O termo se aplica a vários casos, até de modo mais trivial, como o medo de ser atropelado pelo tempo. Mas também se enquadra em situações graves, de absoluta falta de horizontes e perspectivas. Pode estar ligado ainda a doenças psiquiátricas. “Ele é fruto de uma série de fatores como desemprego, miséria, seqüestro e morte. E existem os casos ligados à ansiedade extrema e à depressão intensa”, afirma Cassorla. Os fatores sociais têm impacto importante. E podem gerar situações dolorosas demais para a pessoa suportar. Numa crise ansiosa, o sofredor tem a sensação de que vai perder o controle. Na depressiva, mais grave, a percepção é que nada mais vale a pena.
A falta de amor, principalmente na infância, é uma das razões mais decisivas para o crescimento da dor emocional. Essa é a opinião da psicóloga paulista Denise Ramos. “Se a criança não se sente amada e carrega uma marca de abandono, se desenvolverá sem recursos emocionais suficientes para sair de um momento desesperador”, explica. Há, claro, uma influência da personalidade. Quem é naturalmente otimista, por exemplo, tende a entrar menos em desespero. Existe ainda uma condição em alta na psicologia: a resiliência, ou a capacidade de suportar o stress sem adoecer. Quem é resiliente pode, portanto, reagir melhor aos instantes de pânico gerados por um fato terrível, como a perda de um filho.
Os especialistas esclarecem que o estilo de vida moderno é perverso com os dilemas emocionais. Alguém que demonstra padecimento psicológico, em geral, é tido como fraco. A possibilidade de ser malvisto faz com que o indivíduo esconda sua angústia. Uma hora, surge a impressão de que não há saída para seu tormento e ocorre uma explosão. A mente se desestrutura e o sofrimento é tão grande que ele é movido a fazer qualquer coisa para se livrar da dor. “As reações variam por pessoa. Não existe uma forma única. Nem todo quadro culmina em suicídio e assassinatos”, observa o psiquiatra Raphael Boechat, da Universidade de Brasília.
Às vezes, a angústia se alimenta de um cenário mais amplo. “Atualmente, o pensamento está em desespero. Há uma crise no saber e na ética. Os políticos não têm mais compromissos e a sociedade busca o prazer a qualquer preço. Já não se identifica o que é fundamental”, diz o filósofo baiano Jonas Madureira, autor de um artigo chamado O significado do desespero, publicado numa revista de pesquisa em filosofia. Isso não quer dizer que a pessoa vá sucumbir exatamente por causa da política. Mas as crises na vida política e social exercem influência sobre as pessoas. A impunidade dá a impressão de abandono e sentir-se isolado, sem ter a quem recorrer, é um dos fatores mais associados ao problema.
Sem ter com quem extravasar, muita gente aciona as linhas telefônicas do Programa de Valorização da Vida, o CVV. O centro não faz estatísticas porque sua característica não é anotar os casos, e sim ouvir as pessoas. Os únicos números de que dispõe são as chamadas recebidas. São mais de um milhão por ano. E a média é uma ligação a cada 35 segundos. Nem todas, evidentemente, são de indivíduos atormentados. “Atendemos graus distintos de desespero. Há ocasiões em que ele é maior do que o fato, mas jamais alguém pode minimizar a dor”, ensina Robert Paris, porta-voz da entidade. Acostumados a lidar com gente que quer se destruir, os atendentes não dão conselhos. Nem comentam o que fariam se estivessem no lugar do indivíduo. O motivo é fazer com que a pessoa reflita. Ela deve chegar à conclusão de que é necessário dar mais chances a si. “Se a pessoa sente que sua angústia é compreendida, fala mais do que a aflige e pode encontrar alguma saída que antes parecia impossível”, afirma. Por isso, é fundamental abrir espaço para uma conversa. E lembrar que se alguém diz que está desesperado é porque precisa ser ouvido. Uma manifestação dessas é, na verdade, um pedido de socorro.
Muitas vezes o estado emocional debilitado a esse ponto provoca uma tragédia familiar. A morte é freqüentemente a única saída que os desesperados conseguem enxergar em meio à angústia em que vivem. Diante de uma sociedade que isola as pessoas, como a que vivemos, de condições sociais às vezes caóticas e de costumes que inibem as pessoas de manifestar dor, os indivíduos encontram mais dificuldades para superar um momento de sofrimento agudo. A Organização Mundial da Saúde percebeu esse risco e tratou de estudar o suicídio. Os resultados desse esforço revelam que um milhão de pessoas se matam por ano. É um número elevado. Em função disso, a entidade orientou que cada país adote uma política para evitar essa tragédia.
Dias atrás, o Ministério da Saúde avaliou uma pesquisa que coletou dados de 1994 a 2004. A conclusão: no Brasil, a taxa de suicídio é de 4,5 mortes por 100 mil habitantes. É semelhante ao verificado no restante da América Latina. São dados importantes porque o suicídio, tradicionalmente, é um assunto pouco abordado. “Os casos aumentam inclusive entre crianças e jovens, muito exigidas desde muito pequenas por causa da atual cultura competitiva”, avalia a psicóloga Denise Ramos. Seja qual for o motivo do desespero, o empresário paulista Massataka Ota, que perdeu o filho Ives após um seqüestro, gosta de transmitir uma receita para as horas mais difíceis: “O melhor nesses momentos é se esforçar para lembrar dos compromissos que você tem com as pessoas que ama.”


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