Brasigóis Felício[1]
Deu na Gazeta Mercantil: a popular rapadura, pilar da homência e viga mestra da macheza viril de nove entre dez cabras machos do Nordeste, (retirantes ou ficantes), vai dar um salto de qualidade na balança das exportações Made in Brasil. Mesmo não tendo nada a ver com proteína animal, a rapadura é tida e havida como a carne do pobre; por tal motivo, torcem-lhe os narizes as senhoras elegantes, e as dondocas do jet-set. Por serpassadioe sustança dapatuleia,a rapadura não consta das prateleiras dos supermercados e lojas de alimentos frequentados pelo que os colunistas deamenidadeschamam de "bafejados pela sorte". Nas feiras populares do nordeste, e mesmo nas feiras livres de Goiás, onde vão, de mamando a caducando, gente de todo naipe, desde o poetariado, passando pelo deputariado e chegando, (que chique!), até o desembargadoriado, a rapadura é lordeza acessível até mesmo aos orçamentos maischinfrins. Quem está acometido de fraqueza, bambeza nas pernas,inapetênciapara a cochambração, (e outras esculhambações), não dispensa uma rapadura; seja a baiana, da pura cana caiana, seja moça branca, é garantia de sustança, glicose a mil por hora, santo remédio para a ressaca, conforme atestam os bebuns, com PhD e pós-doutorado em alcoolismo, e outros ismos. Contando, ninguém acredita; a rapadura vai deixar de ser coisa do populacho, que a gente bem come escondida, para não passar por pobre, ou vítima do plano Collorou do plano Cavallo.Não é que a rapadura vai ganhar status,passando a ser comida de gringo, doce chiquérrimo, de gente fina?
Pois sim, o popular doce do nordeste, interior paulista edo centro-oeste começa a ganhar mercado, depois de tomar um banho de marketing. O publicitário Leon Azulay investiu na produção de pequenos pedaços de 25 gramas, embalados individualmente em vistoso papel verde amarelo, e com a inevitável inscrição: Made in Brazil. Os nacionalistas mais ferrenhos já estão pensando em fazer o mesmo com o jerimun,o maxixe, a abóbora de porco e o manjericão,sem falar na jaca, que em Goiás pouca gente aprecia, mas na Bahia é iguaria disputada a faca. É uma pena que minha avó não esteja mais no planeta terráqueo, para saber desta hilariante novidade: a rapadura vai ser vendida em dólar, libra, lira, marco,rublo- e, quem diria -, até os desconfiados japoneses irão desembolsar seus iens, para ter o direito de roer e lamber a brasileiríssima rapadura. O antes esnobado quitute da brasilidade, que engordou e deu sustança a muito neguinho metido a besta, que hoje nega as raízes, tem um valor calórico tremendo. Tanto assim que o médico Paulo Alves receitava rapadura a mães de crianças subnutridas, que vinham a seu consultório, em busca de tratamento. Ao invés de receitar carradas de vitaminas inúteis, que sairiam pela urina, sem provocar qualquer reação benéfica, o Dr. Paulo Alves prescrevia: "Rapadura, rapadura, rapadura; dê rapadura ao menino, três vezes ao dia, e até o dia inteiro, se não faltar rapadura."
Também é voz corrente que a rapadura, ao lado do pequi,é um poderoso afrodisíaco,capaz de despertar, para as luxuriase delícias da cochambração, o mais inapetente dos homens. Até mesmo os mais renitentes, conhecidospopularmentecomo não chegados ao pedaço, submetidos a doses cavalares de rapadura, ressuscitam antigas vocações para os prazeres da carne, correndo até o risco de se tornarem devassos. Nesse particular, - asseguram as mulheres - com mais autoridade para opinar sobre o caso -, a rapadura deixa no chinelo até mesmo a vergateza, vegetal que, tomado sem cuidados, deixa em perigo até as bananeiras, as pernas de mesa e os gatos. Com aafrodisíaca rapadura atravessando as fronteiras do livre mercado, as mulheres do mundo inteiro, que nada têm a perder, e tudo a ganhar,penhoradas, agradecem. Com seus varões, (digo, seus maridos e amantes), comendo rapadura a seco, com farinha, adicionada ao leite, ou nadando em uísque, omulheriovai dormir satisfeito. Melhor: não vai encontrar tempo para dormir. Pesquisas abalizadas, feitas entre nove entre dez "paraíba-masculina,mulé macho-sim-sinhô", garantem: em lugar de pequizeiro, ou onde se come muita rapadura, não existe homem frouxo. Outro dia, conversando com o guarda-noite do prédio onde irei morar, quando, enfim, o "inacabável" ficar pronto, garantiu-me ele, com seu jeitão de cabra-macho-da-gota-serena:
"Essa rapaziada de hoje não dá no couro porque não come rapadura. No meu tempo de garrote,na Paraíba, homem de respeito e consideração comia rapadura com farinha até estourar o bucho. Com esse passadio,o cabra rasgava gerais, debaixo de um sol de matar carcará e mandacaru. Com peso tamanho, atravancando a pança, o cabra da peste não tem folgança para saber o que é a fome." Na base da rapadura, o nordestino é assim: de dia na agricultura, de noite na criatura. Salve a rapadura, nosso produto exportação. E viva a taxa de natalidade!
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